Sunday, December 20, 2009

"As incontáveis vésperas" - Wanda Ramos

"Os estores do mundo descidos, podadas em suas casas as parcas rebeldias, em simultâneo adolesciam duas vidas imcompatíveis e, mesmo assim, andava a história arredada de Sara, bem como das amigas, criadas todas como que em viveiros, por hábito escondendo-se as privacidades-com-elas-próprias, decerto se envergonhariam julgando-se diferentes, como monstros segregando pela calada pensamentos aviltantes, inconfessáveis desejos, era o pecado aturdindo-as pela boca dos outros, o feio, o mal, o não-parece-bem - e até que pontos fariam batota, aprendendo com as mães a acobardar-se, o uso enraizando-se de simular.
Assim como Sara: enquanto pudeste fazendo-te convencida de que te feriras, incauta a unha raspando ao lavares em manhã de frio apressado esses sítios esconsos, oblíquos, e o sangue que não estancava, as roupas tingindo-se, comprometendo-te, ou seria doença mortal, daquelas entre-dentes comentadas pela mãe com as amigas e, portanto: o pânico recalcado, o segredo, diria, a diferença de tu assim nova assim condenada."

Monday, December 14, 2009

Saturday, October 24, 2009


"Queres crescer e depois não cabes na banheira" de Miguel Castro Caldas

"É preciso encontrar uma boa razão para um homem se levantar da cama."

"Deito contas à vida: a minha mãe morreu com setenta e sete e eu já vou nos sessenta e quatro - é certo que estou quase no fim - para trás, um corpo que foi dar nisto, a sustentar um homem, enfim, uma espécie de homem,e todos os outros à volta a morrer, para trás é isto, mortos a instalarem-se nos ombros dos vivos. Por isso, creio eu, alguns ficam corcundas e outros parece que andam constantemente a fazer força para cima com os ombros, como se estivessem a suportar um peso insustentável, como o mundo. Mas são raros aqueles que se conservam leves. Para trás é isto, é mesmo isto. Para a frente, pergunto-me, olho para o meu rosto no espelho e não sei se sou eu ou se é outra pessoa que olha para mim do outro lado, a fingir que está tão dentro de mim como eu, a esforçar-se por ser uma boa artista do filme da minha vida, ou então sou eu adiantada, um bocadinho mais velha, a mostrar-me como será um ano depois."

"Essa alegria, percebes, trazer os croquetes de volta, trazer o pai e os brinquedos e a infância e a nitidez da vida de volta."

"Não pude queixar-me a ninguém da saudade dos croquetes."

"Eu vejo lá fora e eles não vêem cá para dentro, é a vantagem. É que lá fora o vidro é um espelho, e cá dentro é a parte de trás do espelho, lá fora as pessoas chocam com o próprio olhar, sem se darem conta de que afinal olham é para mim, cá dentro. Por exemplo, há uma rapariga bonita (no meio de milhões, mas esta não sei porquê fixei) que portanto passa todos os dias ao lado de si mesma, aproveitando sempre para ajeitar o cabelo, a medo de uma esquina de fotografia, ou de encontrar, e não estar preparada, o seu humano da sua vida, ao longo do passeio, cruzar com esse ser humano e estar a pensar na morte da bezerra, o sobrolho carregado, por isso é importante o pequeno toque no cabelo, sem abrandar passo, sem que ninguém note, e eu vejo isto tudo do lado de cá, a metade do sorriso..."
"...só começaram a interessar-se por mim quando os meus sonhos caíram todos por terra."

"a minha avó lá fora a atravessar-se na janela e espreitar cá para dentro sorrindo para ele, para o nevão, um sorriso sem tristeza nem alegria, embora pudesse confundir-se com uma certa tristeza para observadores destreinados, era o sorriso mais bonito do mundo, o que agora reconheço (é a única coisa que hoje reconheço)"

"É o meu nome, o meu pai tinha trinta anos no dia da revolução, eu é que tinha dois, eu é que não vivi nada, passo a vida a dormir mas sei que falta um minuto para tocar o despertador. O meu pai constuma dizer-me que é preciso acordar. Talvez seja da força do hábito, mas antecipo sempre o despertador, um dia aconteceu que o relógio avariou a meio da noite e eu acordei à hora exacta do toque, sete e cinquenta e nove em ponto..."

"...não há nada como pôr o sorriso na boca e entrar na rua com a cara toda..."

"Ao sereno da Noite" de Helder de Sousa

"Um gesto, um sorriso, uma voz, encobre sempre uma parcela de um todo que ciosamente guardamos, convencidos de que a nossa integridade é subjacente ao nosso destino."

"Eu pelo contrário, não adoro nem detesto a vida. O que odeio são estas noites que me desocupam, que me remetem para o vazio, onde se ergue todo o cenário de arquétipos."

"E tudo era tão bom, tao agradável e belo, que, muitas vezes, suspendia esses momentos, bruscamente, porque me achava indigno deles."

"Uma chuva miúda começou a cair. As pessoas abriam os guarda-chuvas e apressavam o passo. Pensei «Para onde se dirigem? Que força é esta que impele cada um de nós a caminhar sempre em frente, sabendo que todos os caminhos vão dar a esse abismo de silêncio que é a morte?»"

"Se me lembro agora tão nitidamente desse tempo, é porque os lugares marcam com a vida de todos nós um encontro permanente; é porque não lhes podemos fugir; é porque nele deixámos estigmatizado um destino; é porque com eles encetámos um diálogo interior que nos fez prisioneiros. E a imagem rectilínea que guardamos, é uma concepção hipostasiada, de corpo e alma, que nos acalenta recordações felizes e infelizes, e nos dimensiona os dias sobre esta terra de passagem. São espaços frequentados pela nossa infância. Enquanto crescemos, ou mudamos de rumo, ou subimos na vida, eles, mudos, ali ficam sempre iguais, tocando-nos no ombro sempre que passamos apressados a seu lado. por isso, cada encontro tem muitas vezes o sabor da distância, da saudade, da incerteza, do invisível."

"Não sei o que procuro desta noite. Não sei porque não fui direito a casa. Aí, com certeza, não teria forças que vencessem o trabalho de me levantar do sofá, de apagar as luzes, de descer no elevador, de entrar no carro, de o pôr a trabalhar. Não sei. Não sei! Ou talvez saiba, mas não quero encarar a realidade que nos traz a palavra no momento certo...Conheço-me o suficiente."

"Que faço eu aqui? Que força foi esta que me trouxe ao encontro desta vila muda, habitada pelas sombras das ondas batendo no areal? Lugar incapaz de partilhar os meus gemidos, de os ouvir, de os registar, porque eles partem do fundo da garganta, onde todos os gemidos naufragam e ficam séculos adormecidos. Nada me liga a este espaço."

"A noite está horrivel. As ruas desertas. As pessoas acoitam-se nos cinemas, nos cafés, nos bares, nos teatros. Em casa, ficaram todas quantas sabem o valor do olhar, observando o movimento calmo da luz que projecta o candeeiro; que escutam os passos do silêncio através das divisões, ou o murmúrio das sombras quando percorrem o pensamento. Mas a cidade devora as pessoas. Tudo é engolido neste complicado novelo. As pessoas despersonalizam-se e não sei se alguma vez nos cruzámos numa artéria qualquer, sem nos reconhecermos."

"Quanto a vida nos obriga a mentir! Mentimos para fugir de nós próprios, como se fosse possível continuar a fugir indefinidamente. Com efeito, há sempre um momento em que nos colocamos diante de nós mesmos."

"Hoje não sei qual de nós falhou. Nem mesmo se algum de nós falhou."

"As lágrimas que assolam por causa da recordação."

"...entre ti e mim há um abismo impossível."

"Nunca soube como vencer o quotidiano, como me desembaraçar dos dias da lengalenga em que se formam."

"No declinar da alegria, quando se faz a passagem para o desconhecido, temos a sensação que não fomos nada; que nada nos sobrou, porque afinal, quase não tocámos o estado de graça, não cumprindo o nosso destino neste mundo."

Monday, October 12, 2009

As mulheres do meu pai - Agualusa

"A vida é um sonho rápido.”

“Só admito propostas honestas…”

“Conheço esse texto. Está gasto. Até eu já o usei, Experimenta outro.”

“Eu também gosto de visitar Lisboa, vou às livrarias, ao cinema, vejo exposições de fotografia, e acho tudo isso muito bom para lavar a alma. Mas nunca fico mais de duas semanas. Três no máximo. A melancolia portuguesa corrompe o espírito, escurece-o, como o frio do Outono amarelece e mata as folhas das árvores.”

“Pode ser que tenha razão. Afinal, o que permanece em nos depois que a viagem termina? Em mim, invariavelmente menos que o mais singelo verso. Imagens dispersas, a memória difusa de um cheiro e de uma cor. “ “Viajar é esquecer.”

“A morte é tão triste quanto a vida, mas dura mais.”

“Entretanto, lá fora, há um mundo que se acaba e outro que se prepara para nascer, e eu não sei muito bem a qual pertenço.”

"Leve os sonhos a sério. Nada é tao verdadeiro que não mereça ser inventado."

A Farsa – Raul Brandão:

“Há existências inúteis, para quem a vida se reduz ao estreito âmbito formado pelas paredes que as cercam. Vivem por hábito. Sabem apenas exprimir-se com seis palavras rançosas. São um misto de papelada, de números, de ideias estúpidas e vãs, de frases gastas e falsas.”


“Ninguém lhes conhece a história e elas próprias ignoram a sua grandeza. Sofrem, sacrificam-se, anulam-se, desaparecem. Ninguém da pela existência dos que choram e cumprem o seu destino sem frases. Não importa. Não é coisa que se conte, a vida duma árvore – e uma árvore frutifica, dá sombra e lume, sustento e amparo: é o nosso tecto: é nossa amiga. O que é grande, simples e profundo passa despercebido.”

“Entre o projecto e a execução há um mundo a transpor.”

“Passou uma hora ou um século?”

Friday, September 25, 2009

SEVEN POUNDS

"In seven days God created the world...
And in seven seconds I shattered mine..."


- Seven Pounds movie

Tuesday, September 22, 2009

Up in the air - Fevereiro 2010



This is going to be a little difficult so stay with me…
How much does your life weight?
Imagine for a second that you're carrying a backpack
I want you to pack it
With all the stuff that you have in your life
Starting with the little things
The gunshelves, in drawers, the knickknacks
Than you start adding largest stuff
Clothes, table top appliances, lamps, your TV
Backpack should be getting pretty heavy now
You go bigger
Your couch, your car, your home
I want you to stuff it all into that backpack
Now, I want you to fill it with people
Start with casual acquaintances
Friends of friends
Folks around the office
And then you move to the people that you trust with your most intimate secrets
Brothers and sisters, your children, your parents, and finally your husband, wife, boyfriend and girlfriend
Get them into that backpack
Fill the weight of that bag
Make no mistake
Your relationships are the heaviest components in your life
All those negotiations, and arguments, and secrets, compromise you
The slower we move the faster we die
Make no mistake
Moving is living
Some animals were meant to care with each other
To live symbiotically over life time
Star crossed lovers
Monogamous swans
We are not swans we're sharks

Friday, September 11, 2009

António Lobo Antunes....Grande...muito grande


"Tenho ideia que anda uma dor por aí, mas não estou certa de me pertencer"

"A dor que não estou certo de pertencer abranda, e depois volta,digo-lhe
-Olá dor...
e não lhe dou confiança. Não se deve dar confiança nem a nós,há que nos pôr em ordem. Põe-te em ordem António,tu que durante a vida inteira detestaste obedecer. Aliás não te podes queixar, passaste o tempo a fazer o que querias. Agora, sei lá porquê, veio-me à ideia o meu irmão Pedro, o silêncio dele. Gosto de silêncio, de escutar palavras não ditas. Também gosto de pessoas que falam porque me permitem ir embora continuando ali. Elas falam, digo que sim com a cabeça e não estou. Estou onde? Na varanda da Beira a olhar a serra, por exemplo. Ou em parte nenhuma, num esconso interior, sentado no chão, de joelhos na boca, escutando o que não há. Desde que me lembro escuto o que não há, deixo que as coisas se inventem cá dentro, a minha cabeça é uma praia que a água invade e esquece."

"-Sente dores,maezinha?
e no caso de se interessarem por mim o que responderia? Talvez, lá no fundo, mas disfarço, garanto. É que existem coisas que não sararam na alma, não hão-de sarar nunca: as árvores de um cemitério de província a tremerem, algumas mortes, a minha violência tantas vezes injusta, patetices, indelicadezas, faltas de atenção com quem o não merecia. Espero ter melhorado, acho que melhorei mas continuo sem me perdoar o egoísmo necessário à escrita que me obrigou a cortar tantos pescoços que se interpunham entre eu e ela. No entanto, aprecio o António: comove-me a sua feroz guerra civil interior, a vulnerabilidade escondida, a compaixão que não mostra. O imenso orgulho que tem nos seus poucos amigos, a admiração por eles, o respeito."

Sunday, August 30, 2009

"Aquele querido mês de Agosto"

Porque há cenas tão densas e tão dignas no cinema português que até vale a pena serem transcritas:

"-Há sons fantasma. Como é que é possível haver sons que não estão lá?
-É possível é. Tecnicamente não. As coisas que eu quero vêm ter comigo. Não vão ter com vocês. Porque eu sou diferente de ti.
- Gostava de ter as coisas que estão lá. Só isso. Se tu ouvisses aquilo que eu ouvi, tu vias que os sons não estão lá. Gostava de ter o som que existe.
- As pessoas estão sempre a ouvir coisas que não interessam nada. Não existem porque eu não estou lá. Existe é o Marante a cantar numa floresta.
- Pah,oh Vasco, se é teu, controla-te."

Última cena do filme "Aquele querido mês de Agosto"

É daquelas coisas que ficam, e uma pessoa não se consegue esquecer mais...
E a vida nunca mais será a mesma...

Saturday, August 29, 2009

"The greateast thing will ever happen to me...
...already happen."

Tuesday, August 11, 2009

BudaPeste 8-8-2009

Vajdahundad Castle










Royal Palace


Chain Bridge






House of Terror - "You can forgive but you can't forget..."




Heroe's Square






Parliament






Fishermen's Bastion


Monday, July 20, 2009

"Magnificient Desolation" Buzz Aldrin

"When we are up there looking the world, nothing seems wrong, but when we are down here looking up, everything is different."

My home is my head - Joseph Arthur

Saturday, July 18, 2009

"MERDA, dÓI-me o CoraÇÃO..."


http://www.desenhopordesenho.blogspot.com/

Friday, July 10, 2009

Identidade – Milan Kundera

“ Aquele encontro mal sucedido, que os tornou incapazes de se beijarem, acontecera realmente? Chantal ainda se lembrará daqueles poucos instantes de incompreensão?”

“Aprendi a ter um certo prazer com isso, mas mesmo assim, ter duas caras não é fácil. Exige esforço, exige disciplina! Tens de compreender que, quer queira, que não, tudo o que eu faço é com a ambição de fazer bem. Quanto mais não seja para perder o meu emprego. E é muito difícil trabalhar na perfeição e, ao mesmo tempo, desprezar esse trabalho.”

“Foi então que a cunhada, com uma admiração tocada de hostilidade, lhe chamou a Mulher-Tigre: «Não te mexes, ninguém sabe o que pensas, e atacas.»”

“Por mais que lhe dissesse que a amava e a achava bonita, o seu olhar amoroso não poderia consolá-la. Porque o olhar do amor é o olhar do isolamento. Jean-Marc pensava na solidão amorosa de dois velhos seres que se tornassem invisíveis para os outros: uma triste solidão que prefigura a morte. Não, não é de um olhar de amor que ela precisa, mas da inundação dos olhares desconhecidos, grosseiros, concupiscentes e que poisam nela sem simpatia, sem escolha, sem ternura nem delicadeza, fatalmente, inevitavelmente. Esses olhares conservam-na na sociedade dos humanos da qual é separada pelo olhar do amor.
Com remorsos, pensava nos começos vertiginosamente rápidos daquele amor. Não tivera necessidade de conquistá-la: fora conquistada desde o primeiro instante. Voltar-se por causa dela? Para quê? Ela estava a seu lado, diante dele, junto dele, desde o início. Desde o início fora ele o mais forte e ela o mais fraca. Esta desigualdade depositou-se nos alicerces do seu amor. Uma desigualdade injustificável, uma desigualdade iníqua. Ela era mais fraca por ser mais velha.”

“Podemos acusar-nos de um acto, de uma palavra que pronunciámos, mas não podemos acusar-nos de um sentimento, muito simplesmente porque não temos qualquer poder sobre ele.”

“A amizade é indispensável ao homem para o bom funcionamento da memória. Lembrar-se do passado, traze-lo sempre consigo, é talvez a condição necessária para conservar, como se costuma dizer, a integridade do eu. Para que o eu não escolha, para que mantenha o seu volume, é preciso regar as recordações como as flores de uma vaso, e essa regra exige um contacto regular com testemunhas do passado, isto é, com amigos. Eles são o nosso espelho, a nossa memória; não se exige nada deles, apenas que, de vez em quando, puxem o lustro a esse espelho para que nos possamos mirar nele. Mas estou-me nas tintas para o que fazia no liceu! O que sempre desejei desde a primeira juventude talvez desde a infância, foi algo completamente diferente: a amizade como um valor acima de todos os outros. Gostava de dizer: entre a verdade e o amigo, escolho sempre o amigo. Dizia-o por provocação, mas pensava-o a sério. Hoje sei que essa máxima é arcaica. Podia ser válida para Aquiles, o amigo de Pátroclo, para os mosqueteiros de Alexandre Dumas, até para Sancho que apesar dos desacordos era um verdadeiro amigo do seu amo. Mas já não o é para nós. Vou tão longe no meu pessimismo que hoje posso preferir a verdade à amizade.”

“…mas angustiara-o verificar que nenhuma profissão o atraía espontaneamente.”

“Que mais escolher depois daqueles anos perdidos? A que havia de agarrar-se se o seu íntimo permanecia tão mudo como antes?”

"- Não me esqueço nunca do momento em que deixei a faculdade e em que compreendi que já tinham partido todos os comboios."

Tuesday, July 07, 2009

António Lobo Antunes

“Quem quiser paz não pode provocar as coisas, entristece-las, tirar-lhes a esperança de um futuro em comum, senão a vida torna-se impossível.”

“O que vêem os olhos quando já não podem ver.”

“ …nestas pessoas que não sonham o que lhes deves nem acreditam em ti por mais que o repitas.”

“O silêncio do lado das vozes quando as nossas lembranças, uma a uma se calam.”

“Não te lamentes, não te tornes amargo, não esperes: ocuparam o teu lugar, não tens espaço, fica o pó de algumas frases que um sopro distraído varrerá, um lugar nas selectas, títulos que penduraste à entrada dos teus gritos, nada porque nada te atinge ou te perturba. É tarde.
Tão quotidiana foi a tua vida, pequeninos gestos, pequeninas maçadas, pequeninos projectos, pequeninos desejos e tanta luz em volta que te não perturba. És uma estátua entre estátuas, cegaste?”

Manuel Alegre

Assim te vingavas da tua antiga inquietação. Ou talvez não. Talvez que, a partir de certa altura, tu fosses mesmo assim. Sabias e não sabias. Gostavas e não gostavas. Ou não gostavas de gostar. Ou gostavas e não querias. Ou querias gostar como dantes e já não eras capaz. Talvez a magia tivesse desaparecido. Não sei. Foi-se-me a paz e a plenitude que era eu gostar de ti.”

“Hoje sei que só poderias amar apaixonadamente. Mas havia em ti um impulso de destruição, procurarias sempre matar o teu amor. Ou então consumi-lo e consumir-te.”

“Porque é um viver de se morrer a cada instante. Foram anos e anos de plenitude e penitência. Nem um só dia sem a incerteza e o ciúme. Não só o concreto, mas o abstracto, que é o pior de todos. (Ciúmes de quem te via quando eu não podia ver-te. De quem te ouvia e falava. Ciúmes das pessoas e dos sítios. Ia a dizer: do próprio ar que respiravas. Ciúme sobretudo, de Lisboa. Não sei porquê, sempre pensei que era Lisboa que nos separava, não pela distancia, mas pela vida.”

“Olá, dizes. Mas não como dizias. Olá, tão perto e já tão longe.”

“-Já reparaste como as pessoas olham para nós?
-É porque temos uma luz”

“Não só a infância, as tardes de Julho, mas um certo modo de vida, um tempo perdido no tempo, uma plenitude, um esplendor. Algo que não poderia recuperar-se nunca mais…”

“-São sombras, dizias, sombras e sombras.
Há pessoas que trazem em si a solidão como uma doença que ninguém pode curar. Assim eras tu: havia uma parte de ti inalcançável. De repente ficavas triste, começavas a correr para lado nenhum ou então nadavas para longe, até ao limite, até ao risco. Fugias de uma invisível ameaça e dir-se-ia que corrias para o perigo. Era um medo do desconhecido, talvez um pressentimento.
- Tenho saudades, disseste, uma tarde, em Alba, tenho saudades e não sei de quê, estamos aqui e já tenho saudades de estar aqui, tu estás comigo e eu tenho saudades de ti como se já não estivesses cá, está tudo a passar, o tempo, a vida, está tudo a passar muito depressa.
(…)
Tenho receio que apareças e me digas Olá inesperada, como sempre, para depois, mais uma vez, como sempre, desapareceres.”

“Vou ao teu encontro e não sei se te encontrarei. Não sei sequer se receberás esta carta. Pergunto-me aliás, se é para ti que escrevo, se é para mim, se para ninguém.
Preciso de avisar-te, não sei se chegarei a tempo, creio que nunca o consegui.
Sombras, disseste uma vez. Sombras, meu campeãozinho, sombras dentro de mim. E outras. É sobre elas que tenho de falar contigo.
Tentei contactar-te. Impossível. Estás mais longe do que pensava. Não é tanto a distância, mas o resto.
Mesmo que não te encontre, talvez o facto de partir seja de certo modo um reencontro comigo mesma. E até contigo, algures, no tempo. Ou mais um desencontro. Quem sabe. Costumavas dizer que tudo é e não é, que eu estava e não estava, que às vezes era eu e outra.
Gostaria de dizer-te o que foste, o que és, o que serás sempre para mim. Na tenho jeito. E nem sequer é preciso. Tu sabes. Sempre soubemos um do outro. Suponho que continuas a ler Rilke. Como Lou Andréas-Salome, também eu poderia escrever-te:
“Embora longe de ti, ainda te verei.
Embora longe de ti, serás sempre meu.”
Não gosto de fífias, estou quase no limite. Por que é que ao fim e ao cabo, não ficámos juntos? Não sei responder. Só sei que não ficando contigo nunca fui de mais ninguém. Fisicamente sim, o resto não. De certo modo continuarei sempre menina, sentada numa varanda, à tua espera, algures, no tempo, em Alba. Talvez tivesse de se ser assim. Ou talvez não. Apetece dizer que talvez eu tivesse de perder-te para nunca me perder. E que só não me tendo acabarias por me ter sempre, como tens. É capaz de ser verdade. Mas as fórmulas estão gastas. Para quê explicar? Não se explica o inexplicável.
Não, não foi por causa da política, nem da circunstância, muito menos das famílias. Ou talvez tenha sido. Embora eu ache que nós estamos acima, antes, depois. E fora, mesmo que dentro.
Foi assim porque sim. Nos astros, lembras-te? E na palma da mão. Estou a ver as nossas linhas: continuam cruzadas. É por isso que amanhã vou ter contigo, mesmo sem ter a certeza de te encontrar.”

Wednesday, July 01, 2009

Miguel Esteves Cardoso

“Não sou só eu. Não somo evoluídos. Estamos no princípio. O Dr. Salvado, meu dentista, explicou-me no outro dia que os seres humanos mais evoluídos já não têm sisos nem incisivos. O Dr. Castro Caldas, meu neurologista, a quem devo o sono e o bom senso que me resta, revelou-me que ainda estamos na pré-historia e que todos os medicamentos são grosseiros.
Estamos mal. A procissão ainda vai no adro. A Idade da Pedra não só começou mal, como mal começou. Estamos a matar-nos todos uns aos outros. Não percebemos nada. Andamos de um lado e de um dia para o outro sem saber porquê.
Somos ainda selvagens. Somo macacos. Rio-me de quem acrescenta nus ou inteligentes. Somos praticamente tão peludos e estúpidos como os chimpanzés. O que nos distingue, tal como os chimpanzés, é a mania de que somos bons.
Estamos atrasados. O nosso atraso não é tecnológico. É civilizacional. Não sabemos comer a mesa. Não sabemos vestir-nos. Não sabemos respeitar-nos. Não nos controlamos. Não nos compreendemos. Não nos coibimos seja do que for. Nem sequer conseguimos inventar uma cura para a constipação ou uma desculpa melhor do que “Está em reunião”. Ainda somos animais. Não gosto de animais. Os animais são maus. São pouco sofisticados. São pão-pão queijo-queijo sem o pão e sem o queijo. Não escrevem. Não se riem. Não fazem amor como deve de ser. Não têm imaginação. Não se deixam prender por uma ideia abstracta. O pior dos animais, aliás, é serem destituídos de abstracção. Os animais são seres humanos com limitações ainda maiores.
Quando vejo um documentário sobre aranhas ou lavagantes e reparo na maneira como se tratam, dou graças a Deus de ser humano. Posso ser desprezível, mas era incapaz de comer a cabeça da minha namorada (por muito que já me tivesse apetecido) ou as pernas da minha mãe. Preferia ser judeu à porta da câmara de gás e ter um nazi pela frente, do que ser mosca presa na teia de uma aranha. Com um nazi sempre se pode conversar. Sempre se pode cuspir-lhe na cara e chamar-lhe nomes. O que alivia. Um aranhiço está se completamente nas tintas.
Estamos no princípio dos princípios. O mal dos homens é serem demasiado parecidos com os outros mamíferos. São macacudos e bovinos. Só ligeiramente melhores. Cospem na rua. Apalpam nos autocarros. Comem como uns javardos. Andam à porrada. Gemem, urram, fornicam e fazem jogging.
O principal sinal de humanidade é a maneira como só seres humanos tratam os animais. O ser realmente sensível e pensante, carinhoso por sentimento e prestável por sistema, teria a delicadeza da superioridade. Há-de reparar-se que as pessoas e as civilizações mais brutas são as que mais maltratam os animais. É preciso um mínimo de humanidade para se ter pena dos bichos. Os bichos não são gente, mas não tem culpa de não ser. Nós temos. Tenho um gato que adoro, mas não aguento vê-lo a torturar os passarinhos que apanha na varanda. Não havia em Auschwitz crueldade como a deste Agostinho. Ninguém o poderia defender em Nuremberga. Ele não tem culpa, mas o facto de não ter culpa não o pode absolver. É mau. É querido. Mas só pensa em comer e dormir. Nunca vi o materialismo levado a tal extremo.
Temos de ser mais humanos. Reconhecer que somos as bestas que somos e arrependermo-nos disso. Temos de nos reduzir à nossa miserável insensibilidade, à pobreza dos nossos meios de entendimento e explicação, à brutalidade imperdoável dos nossos actos. O nosso pé foge-nos para o chinelo porque ainda não se acostumou a prender-se aos troncos das árvores, quanto mais habituar-se a usar sapato. “

Como somos e ao que chegamos….


O ser humano repugna-me mais do que me atrai. E a verdade é que tenho vindo a desenvolver aversão a certos locais e principalmente a pessoas…
Como nas viagens de autocarros…somos verdadeiros animais…
Desde ser albarroada pelo pessoa do banco da frente até ter de ouvir adolescentes ao telefone com vozes estridentes que pensam que estão sozinhas num espaço de 5 km, em vez de terem consciência que estão num espaço fechado, com pessoas que podem não tolerar muito bem o barulho. E pior que isso, é haver alguém que ainda consegue falar mais alto logo a seguir. A “picuinhez” de querer ir no lugar marcado, A discussão que isso gera…Cabem todos, qual é o drama….percebo que certas regras tenham de ser obedecidas, mas minha gente….tanto faz…ir num lugar ou no outro, principalmente quando nem sequer se escolheu.
E a badalhoquíssimo de ter de ouvir um corta unhas, como me repugna…
Preferia ser cega, surda e muda, não ter de ver, nem ouvir, para nao ter sequer de falar...
Não sabemos viver com os outros. E o mais difícil de tudo é conseguir introduzir algum senso cívico na cabeça de outra pessoa. Eu pelo menos não consigo. E já tentei de tudo…
Fazemos o culto dos mortos, somos orgulhosamente urbanos e porcos. Comemos como se não houvesse amanha, e como me faz impressão, a pressa, a cegueira, a estupidez de querermos ser os primeiros em tudo…é um vicio detestável.
Devia recusar-me a viver num mundo que não percebe, mas não tenho alternativa. As vezes imagino as cidades desertas, sem carros, sem pessoas a percorrer as ruas, com pressa de chegar, a levar tudo e todos a frente…às vezes imagino-me a caminhar sozinha nessas ruas, sem cães vadios esfomeados, sem gatos atropelados, sem ter de esperar nas passadeiras que alguém se digne a parar, cidades completamente vazias de movimento, só eu, a caminhar….

Saturday, June 06, 2009

What's the difference?


Quais são as semelhanças? Ou será....Quais são as diferenças?
Exitem na terra recursos suficientes para alimentar toda a população do mundo. No entanto esses recursos estão restritos a algumas áreas e pessoas. Todos andamos atrás do mesmo, e no final, a nossa preocupação fundamental é a sobrevivência: a alimentação, porque não se pode conquistar o mundo de estômago vazio.
Mas somos mesmo a espécie mais bem sucedida?
Corremos atrás...
Descobrimos
Exploramos
Experimentamos
Inventamos
Implementamos e....
Globalizamos
Sempre e sempre mais. É um desejo insaciável!
O génio humano não pára de surpreender, mas a conquista não se faz sem sacrifícios. Não pode falar-se em excedente quando existe fome,
Não pode falar-se em abundância quando há exploração excessiva
e Não pode haver regras quando existem excepções.

Friday, April 24, 2009

Sunscreen

Tudo isto é Nietzsche - Para além do bem e do mal

“(…)uma ambição metafísica em manter uma posição desesperada, pode de facto desempenhar um papel e por fim preferir uma mão cheia de “certeza” a um carregamento de belas possibilidades; podem mesmo existir fanáticos puritanos de consciência que prefeririam deitar-se e morrer por um nada certo do que por algo incerto.”
“ O facto essencial sobre eles não é quererem voltar atrás, mas quererem libertar-se. Um pouco mais de força, de elevação, de coragem, de capacidade artística e quereriam sim elevar-se e afastar-se – e não voltar atrás!”

“A vontade parece-me ser acima de tudo uma coisa complicada"

“Escolham a boa solidão, a leviandade livre, a solidão fácil que vos dá, também a vós o direito de, em certo sentido, permanecer bons!”

“É difícil ser compreendido: especialmente quando se pensa e se vive entre homens que pensam e vivem de outro modo (…) No entanto, no que se refere aos nosso bons amigos, que são sempre demasiado indolentes para pensar, porque como nossos amigos têm o direito a indolência: far-se-á bem em dar-lhes logo a partida algum espaço e latitude para mal entendidos – assim poderemos rir a sua custa; ou corremos de todo com eles, com estes bons amigos – e também nos rirmos!”

“Aventura-se num labirinto, multiplica por mil os perigos que a vida como tal já trás consigo, dos quais não é o menor o facto de ninguém poder ver como e onde é que ele se perdeu, está isolado dos outros e é feito em pedaços por um qualquer Minotauro de caverna da consciência. Se um destes seres for destruído, isso ocorre tão longe da compreensão dos homens que estes nem o sentem nem o lamentam – e ele já não pode regressar! Já não pode regressar sequer a piedade dos homens!”

“Na nossa juventude respeitamos e desprezamos sem aquela arte de nuance que constitui a melhor coisa que obtemos da vida e, como não deixa de ser justo, que temos que pagar bem caro por termos assim assediado homens e coisas com sim e não.” Está tudo de tal forma regulado que o pior de todos os gostos, o gosto pelo incondicional, é cruelmente abusado e ridicularizado até que um homem aprenda a introduzir um pouco de arte nos seus sentimentos e até se aventure a experimentar o artificial; como os verdadeiros artistas da vida fazem. A ira e a reverência características da juventude parece não lhes permitir a paz até terem falsificado homens e coisas de tal forma que possam dar vazão a si próprios através deles - a juventude enquanto tal é algo que falsifica e engana. Mais tarde, quando a alma jovem, atormentada, por decepções, se volta finalmente para si própria com suspeita, ainda ardente e selvagem mesmo na sua suspeita e nos seus remorsos: que irada está agora consigo própria, como se vira impacientemente contra si mesma, como se vinga do longo tempo em que se enganou a si própria, como se se tivesse cegado a si própria deliberadamente! Durante esta transição uma pessoa pune-se não confiando nos seus próprios instintos; tortura o seu entusiasmo com dúvidas, na realidade, uma pessoa sente que até uma boa consciência está em perigo, como se uma boa consciência fosse um biombo e um sinal de que a subtil honestidade dessa pessoa se cansou; e acima de tudo, uma pessoa toma partido, toma partido por princípio contra a juventude. – Uma década depois: uma pessoa apercebe-se de que tudo aquilo foi demasiado – ainda era juventude!”

“Um tal homem escondido, que instintivamente usa a fala como silencio e ocultamento e é incasável a evitar a comunicação, quer que uma mascara de si próprio ocupe o coração e a cabeça dos seus amigos em vez dele próprio e assegura-se de que assim é; e supondo que ele não o quer, um dia verificará que a máscara está lá não obstante - e que isso é uma coisa boa. Todos os espíritos profundos precisam de uma mascara em torno de cada espírito profundo, graças ao constantemente falso, ou seja, à interpretação superficial de cada palavra que profere, a cada passo seu, a cada sinal de vida que dá.”

“Há que nos testarmos a nos próprios para saber se estamos aptos à independência e ao comando; e temos que o fazer na altura certa. Não devemos evitar estes testes a nós próprios, muito embora sejam talvez o jogo mais perigoso que se possa jogar e finalmente são testes que são feitos perante nos próprios e perante nenhum outro juiz. (…) Uma pessoa tem de saber como se preservar: o teste mais duro da independência.”

“Há que nos livrarmos do mau gosto de querermos estar de acordo com muitos. O bem já não é bem quando o vizinho o tem na boca. E como é que podia existir um bem comum! Expressão contradiz-se a si própria: o que pode ser comum não pode senão ter pouco valor. Acaba por ter de ser como é e como tem sempre sido: as grandes coisas são para os grandes, os abismos para os profundos, os estremecimentos e delicadezas para os refinados, e em suma, todas as coisas raras para os raros.”

“Oh meio dia de vida! Oh festival! Oh jardim de Verão! Aguardo em inquieto êxtase, aqui estou, atento, à espera – onde estão amigos? É a vós que espero, a postos dia e noite. Venham agora! É altura de cá estarem! Não foi por ti que hoje o glaciar trocou o cinzento por rosa? O riacho procura-te; e o vento e a nuvem erguem-se mais alto no azul, elevam-se ansiosos a tua procura. Para ti preparei a minha mesa nas mais elevadas alturas – quem vive tão perto das estrelas como eu, ou tão perto das profundezas do abismo? O meu império – alguma vez um império foi tão extenso? E o meu mel – quem é que provou a sua doçura?
Aí estão, amigos! – mas, ai de mim, não sou eu quem vieste visitar? Hesitam, olham fixamente – não, zanguei-vos antes! Já não sou – eu? A mão, o passo, o rosto, transformaram-se? E o que sou, para vós, amigos – não sou?
Serei eu outro? Um estranho para mim próprio? Saído de mim próprio? Um lutador que se submeteu demasiadas vezes? Que virou a sua própria força contra si próprio demasiadas vezes, travado e ferido pela sua própria vitoria?
Procurei eu onde o vento mais violentamente sopra, aprendi eu viver onde ninguém vive, no deserto onde apenas vive o urso polar, terei desaprendido a orar e praguejar, desaprendido homem e adeus, terei-me-ei tornado um fantasma esvoaçando pelos glaciares?
- oh amigos! Como estão pálidos, como estão cheios de amor e de terror! Não – vão! Não estejam zangados! Aqui – vocês não podiam estar em casa: aqui neste domínio longínquo de gelo e rochas – aqui têm de ser um caçador e como a cabra alpina.
Um caçador mau, foi isso que me tornei! – vejam como o meu arco está vergado! Aquele que vergou esse arco era certamente o mais poderoso dos homens: - mas a seta, - ah, nenhuma seta é tão perigosa como essa seta é perigosa – vão
! vão-se embora! Para vossa própria preservação!
Viram costas? – Oh coração, aguentaste bem, as tuas esperanças mantiveram-se fortes: agora mantém a tua porta aberta a novos amigos! Deixa os velhos partirem! Deixa as memorias partirem! Se outrora eras jovem, agora – és mais jovem!
Aquilo que um dia nos uniu, o laço de uma esperança – quem consegue ainda ler os sinais que o amor outrora aí escreveu, agora ténues e apagados? É como um pergaminho – descolorido, queimado – do qual a mão se retrai.
Já não amigos, mas – o que lhes hei-de chamar? São fantasmas de amigos que à noite batem ao meu coração e à minha janela, que me olham e dizem: - fomos outrora amigos? – oh mundo murcho, outrora fragrante como a rosa!
Oh, que anseio pela juventude, que não se conheceu a si própria! Aqueles por quem eu anseio, aqueles que eu julguei transformados em meus familiares – terem envelhecido foi o que os baniu: apenas aquele que se transforma continua meu familiar.
Oh meio dia de vida! Oh segunda juventude! Oh jardim e Verão! Aguardo em êxtase, estou atento, à espera – são amigos quem eu aguardo, apostos, dia e noite, novos amigos. Venham agora! É altura de cá estarem!
Esta canção terminou – o doce grito do desejo morreu nos lábios: foi um mago que o fez, o amigo oportuno, o amigo do meio dia – não! Não perguntes quem é – aconteceu ao meio dia, ao meio dia um tornou-se dois…
Agora juntos certos da vitoria, celebramos a festa das festas: o amigo Zaratustra chegou, o convidado dos convidados! Agora o mundo ri, a cortina do temos está rasgada, chegou o dia do casamento para a luz e a escuridão…”