Saturday, October 24, 2009


"Queres crescer e depois não cabes na banheira" de Miguel Castro Caldas

"É preciso encontrar uma boa razão para um homem se levantar da cama."

"Deito contas à vida: a minha mãe morreu com setenta e sete e eu já vou nos sessenta e quatro - é certo que estou quase no fim - para trás, um corpo que foi dar nisto, a sustentar um homem, enfim, uma espécie de homem,e todos os outros à volta a morrer, para trás é isto, mortos a instalarem-se nos ombros dos vivos. Por isso, creio eu, alguns ficam corcundas e outros parece que andam constantemente a fazer força para cima com os ombros, como se estivessem a suportar um peso insustentável, como o mundo. Mas são raros aqueles que se conservam leves. Para trás é isto, é mesmo isto. Para a frente, pergunto-me, olho para o meu rosto no espelho e não sei se sou eu ou se é outra pessoa que olha para mim do outro lado, a fingir que está tão dentro de mim como eu, a esforçar-se por ser uma boa artista do filme da minha vida, ou então sou eu adiantada, um bocadinho mais velha, a mostrar-me como será um ano depois."

"Essa alegria, percebes, trazer os croquetes de volta, trazer o pai e os brinquedos e a infância e a nitidez da vida de volta."

"Não pude queixar-me a ninguém da saudade dos croquetes."

"Eu vejo lá fora e eles não vêem cá para dentro, é a vantagem. É que lá fora o vidro é um espelho, e cá dentro é a parte de trás do espelho, lá fora as pessoas chocam com o próprio olhar, sem se darem conta de que afinal olham é para mim, cá dentro. Por exemplo, há uma rapariga bonita (no meio de milhões, mas esta não sei porquê fixei) que portanto passa todos os dias ao lado de si mesma, aproveitando sempre para ajeitar o cabelo, a medo de uma esquina de fotografia, ou de encontrar, e não estar preparada, o seu humano da sua vida, ao longo do passeio, cruzar com esse ser humano e estar a pensar na morte da bezerra, o sobrolho carregado, por isso é importante o pequeno toque no cabelo, sem abrandar passo, sem que ninguém note, e eu vejo isto tudo do lado de cá, a metade do sorriso..."
"...só começaram a interessar-se por mim quando os meus sonhos caíram todos por terra."

"a minha avó lá fora a atravessar-se na janela e espreitar cá para dentro sorrindo para ele, para o nevão, um sorriso sem tristeza nem alegria, embora pudesse confundir-se com uma certa tristeza para observadores destreinados, era o sorriso mais bonito do mundo, o que agora reconheço (é a única coisa que hoje reconheço)"

"É o meu nome, o meu pai tinha trinta anos no dia da revolução, eu é que tinha dois, eu é que não vivi nada, passo a vida a dormir mas sei que falta um minuto para tocar o despertador. O meu pai constuma dizer-me que é preciso acordar. Talvez seja da força do hábito, mas antecipo sempre o despertador, um dia aconteceu que o relógio avariou a meio da noite e eu acordei à hora exacta do toque, sete e cinquenta e nove em ponto..."

"...não há nada como pôr o sorriso na boca e entrar na rua com a cara toda..."

"Ao sereno da Noite" de Helder de Sousa

"Um gesto, um sorriso, uma voz, encobre sempre uma parcela de um todo que ciosamente guardamos, convencidos de que a nossa integridade é subjacente ao nosso destino."

"Eu pelo contrário, não adoro nem detesto a vida. O que odeio são estas noites que me desocupam, que me remetem para o vazio, onde se ergue todo o cenário de arquétipos."

"E tudo era tão bom, tao agradável e belo, que, muitas vezes, suspendia esses momentos, bruscamente, porque me achava indigno deles."

"Uma chuva miúda começou a cair. As pessoas abriam os guarda-chuvas e apressavam o passo. Pensei «Para onde se dirigem? Que força é esta que impele cada um de nós a caminhar sempre em frente, sabendo que todos os caminhos vão dar a esse abismo de silêncio que é a morte?»"

"Se me lembro agora tão nitidamente desse tempo, é porque os lugares marcam com a vida de todos nós um encontro permanente; é porque não lhes podemos fugir; é porque nele deixámos estigmatizado um destino; é porque com eles encetámos um diálogo interior que nos fez prisioneiros. E a imagem rectilínea que guardamos, é uma concepção hipostasiada, de corpo e alma, que nos acalenta recordações felizes e infelizes, e nos dimensiona os dias sobre esta terra de passagem. São espaços frequentados pela nossa infância. Enquanto crescemos, ou mudamos de rumo, ou subimos na vida, eles, mudos, ali ficam sempre iguais, tocando-nos no ombro sempre que passamos apressados a seu lado. por isso, cada encontro tem muitas vezes o sabor da distância, da saudade, da incerteza, do invisível."

"Não sei o que procuro desta noite. Não sei porque não fui direito a casa. Aí, com certeza, não teria forças que vencessem o trabalho de me levantar do sofá, de apagar as luzes, de descer no elevador, de entrar no carro, de o pôr a trabalhar. Não sei. Não sei! Ou talvez saiba, mas não quero encarar a realidade que nos traz a palavra no momento certo...Conheço-me o suficiente."

"Que faço eu aqui? Que força foi esta que me trouxe ao encontro desta vila muda, habitada pelas sombras das ondas batendo no areal? Lugar incapaz de partilhar os meus gemidos, de os ouvir, de os registar, porque eles partem do fundo da garganta, onde todos os gemidos naufragam e ficam séculos adormecidos. Nada me liga a este espaço."

"A noite está horrivel. As ruas desertas. As pessoas acoitam-se nos cinemas, nos cafés, nos bares, nos teatros. Em casa, ficaram todas quantas sabem o valor do olhar, observando o movimento calmo da luz que projecta o candeeiro; que escutam os passos do silêncio através das divisões, ou o murmúrio das sombras quando percorrem o pensamento. Mas a cidade devora as pessoas. Tudo é engolido neste complicado novelo. As pessoas despersonalizam-se e não sei se alguma vez nos cruzámos numa artéria qualquer, sem nos reconhecermos."

"Quanto a vida nos obriga a mentir! Mentimos para fugir de nós próprios, como se fosse possível continuar a fugir indefinidamente. Com efeito, há sempre um momento em que nos colocamos diante de nós mesmos."

"Hoje não sei qual de nós falhou. Nem mesmo se algum de nós falhou."

"As lágrimas que assolam por causa da recordação."

"...entre ti e mim há um abismo impossível."

"Nunca soube como vencer o quotidiano, como me desembaraçar dos dias da lengalenga em que se formam."

"No declinar da alegria, quando se faz a passagem para o desconhecido, temos a sensação que não fomos nada; que nada nos sobrou, porque afinal, quase não tocámos o estado de graça, não cumprindo o nosso destino neste mundo."

Monday, October 12, 2009

As mulheres do meu pai - Agualusa

"A vida é um sonho rápido.”

“Só admito propostas honestas…”

“Conheço esse texto. Está gasto. Até eu já o usei, Experimenta outro.”

“Eu também gosto de visitar Lisboa, vou às livrarias, ao cinema, vejo exposições de fotografia, e acho tudo isso muito bom para lavar a alma. Mas nunca fico mais de duas semanas. Três no máximo. A melancolia portuguesa corrompe o espírito, escurece-o, como o frio do Outono amarelece e mata as folhas das árvores.”

“Pode ser que tenha razão. Afinal, o que permanece em nos depois que a viagem termina? Em mim, invariavelmente menos que o mais singelo verso. Imagens dispersas, a memória difusa de um cheiro e de uma cor. “ “Viajar é esquecer.”

“A morte é tão triste quanto a vida, mas dura mais.”

“Entretanto, lá fora, há um mundo que se acaba e outro que se prepara para nascer, e eu não sei muito bem a qual pertenço.”

"Leve os sonhos a sério. Nada é tao verdadeiro que não mereça ser inventado."

A Farsa – Raul Brandão:

“Há existências inúteis, para quem a vida se reduz ao estreito âmbito formado pelas paredes que as cercam. Vivem por hábito. Sabem apenas exprimir-se com seis palavras rançosas. São um misto de papelada, de números, de ideias estúpidas e vãs, de frases gastas e falsas.”


“Ninguém lhes conhece a história e elas próprias ignoram a sua grandeza. Sofrem, sacrificam-se, anulam-se, desaparecem. Ninguém da pela existência dos que choram e cumprem o seu destino sem frases. Não importa. Não é coisa que se conte, a vida duma árvore – e uma árvore frutifica, dá sombra e lume, sustento e amparo: é o nosso tecto: é nossa amiga. O que é grande, simples e profundo passa despercebido.”

“Entre o projecto e a execução há um mundo a transpor.”

“Passou uma hora ou um século?”