Assim te vingavas da tua antiga inquietação. Ou talvez não. Talvez que, a partir de certa altura, tu fosses mesmo assim. Sabias e não sabias. Gostavas e não gostavas. Ou não gostavas de gostar. Ou gostavas e não querias. Ou querias gostar como dantes e já não eras capaz. Talvez a magia tivesse desaparecido. Não sei. Foi-se-me a paz e a plenitude que era eu gostar de ti.”
“Hoje sei que só poderias amar apaixonadamente. Mas havia em ti um impulso de destruição, procurarias sempre matar o teu amor. Ou então consumi-lo e consumir-te.”
“Porque é um viver de se morrer a cada instante. Foram anos e anos de plenitude e penitência. Nem um só dia sem a incerteza e o ciúme. Não só o concreto, mas o abstracto, que é o pior de todos. (Ciúmes de quem te via quando eu não podia ver-te. De quem te ouvia e falava. Ciúmes das pessoas e dos sítios. Ia a dizer: do próprio ar que respiravas. Ciúme sobretudo, de Lisboa. Não sei porquê, sempre pensei que era Lisboa que nos separava, não pela distancia, mas pela vida.”
“Olá, dizes. Mas não como dizias. Olá, tão perto e já tão longe.”
“-Já reparaste como as pessoas olham para nós?
-É porque temos uma luz”
“Não só a infância, as tardes de Julho, mas um certo modo de vida, um tempo perdido no tempo, uma plenitude, um esplendor. Algo que não poderia recuperar-se nunca mais…”
“-São sombras, dizias, sombras e sombras.
Há pessoas que trazem em si a solidão como uma doença que ninguém pode curar. Assim eras tu: havia uma parte de ti inalcançável. De repente ficavas triste, começavas a correr para lado nenhum ou então nadavas para longe, até ao limite, até ao risco. Fugias de uma invisível ameaça e dir-se-ia que corrias para o perigo. Era um medo do desconhecido, talvez um pressentimento.
- Tenho saudades, disseste, uma tarde, em Alba, tenho saudades e não sei de quê, estamos aqui e já tenho saudades de estar aqui, tu estás comigo e eu tenho saudades de ti como se já não estivesses cá, está tudo a passar, o tempo, a vida, está tudo a passar muito depressa.
(…)
Tenho receio que apareças e me digas Olá inesperada, como sempre, para depois, mais uma vez, como sempre, desapareceres.”
“Vou ao teu encontro e não sei se te encontrarei. Não sei sequer se receberás esta carta. Pergunto-me aliás, se é para ti que escrevo, se é para mim, se para ninguém.
Preciso de avisar-te, não sei se chegarei a tempo, creio que nunca o consegui.
Sombras, disseste uma vez. Sombras, meu campeãozinho, sombras dentro de mim. E outras. É sobre elas que tenho de falar contigo.
Tentei contactar-te. Impossível. Estás mais longe do que pensava. Não é tanto a distância, mas o resto.
Mesmo que não te encontre, talvez o facto de partir seja de certo modo um reencontro comigo mesma. E até contigo, algures, no tempo. Ou mais um desencontro. Quem sabe. Costumavas dizer que tudo é e não é, que eu estava e não estava, que às vezes era eu e outra.
Gostaria de dizer-te o que foste, o que és, o que serás sempre para mim. Na tenho jeito. E nem sequer é preciso. Tu sabes. Sempre soubemos um do outro. Suponho que continuas a ler Rilke. Como Lou Andréas-Salome, também eu poderia escrever-te:
“Embora longe de ti, ainda te verei.
Embora longe de ti, serás sempre meu.”
Não gosto de fífias, estou quase no limite. Por que é que ao fim e ao cabo, não ficámos juntos? Não sei responder. Só sei que não ficando contigo nunca fui de mais ninguém. Fisicamente sim, o resto não. De certo modo continuarei sempre menina, sentada numa varanda, à tua espera, algures, no tempo, em Alba. Talvez tivesse de se ser assim. Ou talvez não. Apetece dizer que talvez eu tivesse de perder-te para nunca me perder. E que só não me tendo acabarias por me ter sempre, como tens. É capaz de ser verdade. Mas as fórmulas estão gastas. Para quê explicar? Não se explica o inexplicável.
Não, não foi por causa da política, nem da circunstância, muito menos das famílias. Ou talvez tenha sido. Embora eu ache que nós estamos acima, antes, depois. E fora, mesmo que dentro.
Foi assim porque sim. Nos astros, lembras-te? E na palma da mão. Estou a ver as nossas linhas: continuam cruzadas. É por isso que amanhã vou ter contigo, mesmo sem ter a certeza de te encontrar.”
“Hoje sei que só poderias amar apaixonadamente. Mas havia em ti um impulso de destruição, procurarias sempre matar o teu amor. Ou então consumi-lo e consumir-te.”
“Porque é um viver de se morrer a cada instante. Foram anos e anos de plenitude e penitência. Nem um só dia sem a incerteza e o ciúme. Não só o concreto, mas o abstracto, que é o pior de todos. (Ciúmes de quem te via quando eu não podia ver-te. De quem te ouvia e falava. Ciúmes das pessoas e dos sítios. Ia a dizer: do próprio ar que respiravas. Ciúme sobretudo, de Lisboa. Não sei porquê, sempre pensei que era Lisboa que nos separava, não pela distancia, mas pela vida.”
“Olá, dizes. Mas não como dizias. Olá, tão perto e já tão longe.”
“-Já reparaste como as pessoas olham para nós?
-É porque temos uma luz”
“Não só a infância, as tardes de Julho, mas um certo modo de vida, um tempo perdido no tempo, uma plenitude, um esplendor. Algo que não poderia recuperar-se nunca mais…”
“-São sombras, dizias, sombras e sombras.
Há pessoas que trazem em si a solidão como uma doença que ninguém pode curar. Assim eras tu: havia uma parte de ti inalcançável. De repente ficavas triste, começavas a correr para lado nenhum ou então nadavas para longe, até ao limite, até ao risco. Fugias de uma invisível ameaça e dir-se-ia que corrias para o perigo. Era um medo do desconhecido, talvez um pressentimento.
- Tenho saudades, disseste, uma tarde, em Alba, tenho saudades e não sei de quê, estamos aqui e já tenho saudades de estar aqui, tu estás comigo e eu tenho saudades de ti como se já não estivesses cá, está tudo a passar, o tempo, a vida, está tudo a passar muito depressa.
(…)
Tenho receio que apareças e me digas Olá inesperada, como sempre, para depois, mais uma vez, como sempre, desapareceres.”
“Vou ao teu encontro e não sei se te encontrarei. Não sei sequer se receberás esta carta. Pergunto-me aliás, se é para ti que escrevo, se é para mim, se para ninguém.
Preciso de avisar-te, não sei se chegarei a tempo, creio que nunca o consegui.
Sombras, disseste uma vez. Sombras, meu campeãozinho, sombras dentro de mim. E outras. É sobre elas que tenho de falar contigo.
Tentei contactar-te. Impossível. Estás mais longe do que pensava. Não é tanto a distância, mas o resto.
Mesmo que não te encontre, talvez o facto de partir seja de certo modo um reencontro comigo mesma. E até contigo, algures, no tempo. Ou mais um desencontro. Quem sabe. Costumavas dizer que tudo é e não é, que eu estava e não estava, que às vezes era eu e outra.
Gostaria de dizer-te o que foste, o que és, o que serás sempre para mim. Na tenho jeito. E nem sequer é preciso. Tu sabes. Sempre soubemos um do outro. Suponho que continuas a ler Rilke. Como Lou Andréas-Salome, também eu poderia escrever-te:
“Embora longe de ti, ainda te verei.
Embora longe de ti, serás sempre meu.”
Não gosto de fífias, estou quase no limite. Por que é que ao fim e ao cabo, não ficámos juntos? Não sei responder. Só sei que não ficando contigo nunca fui de mais ninguém. Fisicamente sim, o resto não. De certo modo continuarei sempre menina, sentada numa varanda, à tua espera, algures, no tempo, em Alba. Talvez tivesse de se ser assim. Ou talvez não. Apetece dizer que talvez eu tivesse de perder-te para nunca me perder. E que só não me tendo acabarias por me ter sempre, como tens. É capaz de ser verdade. Mas as fórmulas estão gastas. Para quê explicar? Não se explica o inexplicável.
Não, não foi por causa da política, nem da circunstância, muito menos das famílias. Ou talvez tenha sido. Embora eu ache que nós estamos acima, antes, depois. E fora, mesmo que dentro.
Foi assim porque sim. Nos astros, lembras-te? E na palma da mão. Estou a ver as nossas linhas: continuam cruzadas. É por isso que amanhã vou ter contigo, mesmo sem ter a certeza de te encontrar.”
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