Friday, July 10, 2009

Identidade – Milan Kundera

“ Aquele encontro mal sucedido, que os tornou incapazes de se beijarem, acontecera realmente? Chantal ainda se lembrará daqueles poucos instantes de incompreensão?”

“Aprendi a ter um certo prazer com isso, mas mesmo assim, ter duas caras não é fácil. Exige esforço, exige disciplina! Tens de compreender que, quer queira, que não, tudo o que eu faço é com a ambição de fazer bem. Quanto mais não seja para perder o meu emprego. E é muito difícil trabalhar na perfeição e, ao mesmo tempo, desprezar esse trabalho.”

“Foi então que a cunhada, com uma admiração tocada de hostilidade, lhe chamou a Mulher-Tigre: «Não te mexes, ninguém sabe o que pensas, e atacas.»”

“Por mais que lhe dissesse que a amava e a achava bonita, o seu olhar amoroso não poderia consolá-la. Porque o olhar do amor é o olhar do isolamento. Jean-Marc pensava na solidão amorosa de dois velhos seres que se tornassem invisíveis para os outros: uma triste solidão que prefigura a morte. Não, não é de um olhar de amor que ela precisa, mas da inundação dos olhares desconhecidos, grosseiros, concupiscentes e que poisam nela sem simpatia, sem escolha, sem ternura nem delicadeza, fatalmente, inevitavelmente. Esses olhares conservam-na na sociedade dos humanos da qual é separada pelo olhar do amor.
Com remorsos, pensava nos começos vertiginosamente rápidos daquele amor. Não tivera necessidade de conquistá-la: fora conquistada desde o primeiro instante. Voltar-se por causa dela? Para quê? Ela estava a seu lado, diante dele, junto dele, desde o início. Desde o início fora ele o mais forte e ela o mais fraca. Esta desigualdade depositou-se nos alicerces do seu amor. Uma desigualdade injustificável, uma desigualdade iníqua. Ela era mais fraca por ser mais velha.”

“Podemos acusar-nos de um acto, de uma palavra que pronunciámos, mas não podemos acusar-nos de um sentimento, muito simplesmente porque não temos qualquer poder sobre ele.”

“A amizade é indispensável ao homem para o bom funcionamento da memória. Lembrar-se do passado, traze-lo sempre consigo, é talvez a condição necessária para conservar, como se costuma dizer, a integridade do eu. Para que o eu não escolha, para que mantenha o seu volume, é preciso regar as recordações como as flores de uma vaso, e essa regra exige um contacto regular com testemunhas do passado, isto é, com amigos. Eles são o nosso espelho, a nossa memória; não se exige nada deles, apenas que, de vez em quando, puxem o lustro a esse espelho para que nos possamos mirar nele. Mas estou-me nas tintas para o que fazia no liceu! O que sempre desejei desde a primeira juventude talvez desde a infância, foi algo completamente diferente: a amizade como um valor acima de todos os outros. Gostava de dizer: entre a verdade e o amigo, escolho sempre o amigo. Dizia-o por provocação, mas pensava-o a sério. Hoje sei que essa máxima é arcaica. Podia ser válida para Aquiles, o amigo de Pátroclo, para os mosqueteiros de Alexandre Dumas, até para Sancho que apesar dos desacordos era um verdadeiro amigo do seu amo. Mas já não o é para nós. Vou tão longe no meu pessimismo que hoje posso preferir a verdade à amizade.”

“…mas angustiara-o verificar que nenhuma profissão o atraía espontaneamente.”

“Que mais escolher depois daqueles anos perdidos? A que havia de agarrar-se se o seu íntimo permanecia tão mudo como antes?”

"- Não me esqueço nunca do momento em que deixei a faculdade e em que compreendi que já tinham partido todos os comboios."

1 comment:

Unknown said...

Maravilhoso...