"É preciso encontrar uma boa razão para um homem se levantar da cama."
"Deito contas à vida: a minha mãe morreu com setenta e sete e eu já vou nos sessenta e quatro - é certo que estou quase no fim - para trás, um corpo que foi dar nisto, a sustentar um homem, enfim, uma espécie de homem,e todos os outros à volta a morrer, para trás é isto, mortos a instalarem-se nos ombros dos vivos. Por isso, creio eu, alguns ficam corcundas e outros parece que andam constantemente a fazer força para cima com os ombros, como se estivessem a suportar um peso insustentável, como o mundo. Mas são raros aqueles que se conservam leves. Para trás é isto, é mesmo isto. Para a frente, pergunto-me, olho para o meu rosto no espelho e não sei se sou eu ou se é outra pessoa que olha para mim do outro lado, a fingir que está tão dentro de mim como eu, a esforçar-se por ser uma boa artista do filme da minha vida, ou então sou eu adiantada, um bocadinho mais velha, a mostrar-me como será um ano depois."
"Essa alegria, percebes, trazer os croquetes de volta, trazer o pai e os brinquedos e a infância e a nitidez da vida de volta."
"Não pude queixar-me a ninguém da saudade dos croquetes."
"Eu vejo lá fora e eles não vêem cá para dentro, é a vantagem. É que lá fora o vidro é um espelho, e cá dentro é a parte de trás do espelho, lá fora as pessoas chocam com o próprio olhar, sem se darem conta de que afinal olham é para mim, cá dentro. Por exemplo, há uma rapariga bonita (no meio de milhões, mas esta não sei porquê fixei) que portanto passa todos os dias ao lado de si mesma, aproveitando sempre para ajeitar o cabelo, a medo de uma esquina de fotografia, ou de encontrar, e não estar preparada, o seu humano da sua vida, ao longo do passeio, cruzar com esse ser humano e estar a pensar na morte da bezerra, o sobrolho carregado, por isso é importante o pequeno toque no cabelo, sem abrandar passo, sem que ninguém note, e eu vejo isto tudo do lado de cá, a metade do sorriso..."
"Deito contas à vida: a minha mãe morreu com setenta e sete e eu já vou nos sessenta e quatro - é certo que estou quase no fim - para trás, um corpo que foi dar nisto, a sustentar um homem, enfim, uma espécie de homem,e todos os outros à volta a morrer, para trás é isto, mortos a instalarem-se nos ombros dos vivos. Por isso, creio eu, alguns ficam corcundas e outros parece que andam constantemente a fazer força para cima com os ombros, como se estivessem a suportar um peso insustentável, como o mundo. Mas são raros aqueles que se conservam leves. Para trás é isto, é mesmo isto. Para a frente, pergunto-me, olho para o meu rosto no espelho e não sei se sou eu ou se é outra pessoa que olha para mim do outro lado, a fingir que está tão dentro de mim como eu, a esforçar-se por ser uma boa artista do filme da minha vida, ou então sou eu adiantada, um bocadinho mais velha, a mostrar-me como será um ano depois."
"Essa alegria, percebes, trazer os croquetes de volta, trazer o pai e os brinquedos e a infância e a nitidez da vida de volta."
"Não pude queixar-me a ninguém da saudade dos croquetes."
"Eu vejo lá fora e eles não vêem cá para dentro, é a vantagem. É que lá fora o vidro é um espelho, e cá dentro é a parte de trás do espelho, lá fora as pessoas chocam com o próprio olhar, sem se darem conta de que afinal olham é para mim, cá dentro. Por exemplo, há uma rapariga bonita (no meio de milhões, mas esta não sei porquê fixei) que portanto passa todos os dias ao lado de si mesma, aproveitando sempre para ajeitar o cabelo, a medo de uma esquina de fotografia, ou de encontrar, e não estar preparada, o seu humano da sua vida, ao longo do passeio, cruzar com esse ser humano e estar a pensar na morte da bezerra, o sobrolho carregado, por isso é importante o pequeno toque no cabelo, sem abrandar passo, sem que ninguém note, e eu vejo isto tudo do lado de cá, a metade do sorriso..."
"...só começaram a interessar-se por mim quando os meus sonhos caíram todos por terra."
"a minha avó lá fora a atravessar-se na janela e espreitar cá para dentro sorrindo para ele, para o nevão, um sorriso sem tristeza nem alegria, embora pudesse confundir-se com uma certa tristeza para observadores destreinados, era o sorriso mais bonito do mundo, o que agora reconheço (é a única coisa que hoje reconheço)"
"É o meu nome, o meu pai tinha trinta anos no dia da revolução, eu é que tinha dois, eu é que não vivi nada, passo a vida a dormir mas sei que falta um minuto para tocar o despertador. O meu pai constuma dizer-me que é preciso acordar. Talvez seja da força do hábito, mas antecipo sempre o despertador, um dia aconteceu que o relógio avariou a meio da noite e eu acordei à hora exacta do toque, sete e cinquenta e nove em ponto..."
"...não há nada como pôr o sorriso na boca e entrar na rua com a cara toda..."
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